quinta-feira, 14 de maio de 2009

Capítulo XIV - Arcanjos

As ondas batiam contra as rochas com uma certa força insistente. O cinza escuro de um céu intrigante, cujo sol já deitara a muito e curiosamente não escurecia, era só mais um elemento naquela paisagem estranha. Ventos uivavam e além de fazer a grama verde sobre aqueles montes balançar as folhas, os cabelos roxos, da mulher que contemplava as terras do outro lado do canal, também dançavam ao seu sabor. Seus olhos miravam quase que obcecadamente o painel que se formava depois das águas. Seu pensamento voou longe, como quando batia suas asas para contemplar essas mesmas terras do alto. Apenas se ouvia o vento e as ondas a castigar as rochas em que Mab estava, com seus longos cabelos soltos ao vento e sua túnica balançando enquanto segurava seu manto. O cheiro do sal do mar impregnava o ar. Tão absorto estava o Arcanjo, que ela mal percebera que há algum tempo não estava mais sozinha, apenas quando o silencio foi cortado por uma voz:

_Não importa quantos séculos passe, este sempre será teu lugar preferido...

Mab virou seu rosto na direção da voz e respondeu:

_Ynys Llanddëlle é quase que como um lar para mim. Adoro vir aqui e ver a paisagem da Ilha de Gildor, da Peninsula Llyëhn e das terras de Eryriëlle. Não sei, mas as montanhas do Eryriëlle Massif sempre me deram um sentimento de segurança...

_Principalmente agora, precisas mais de segurança... _interrompeu o homem alto que fazia companhia a Mab.

_ Phosphorus, creio que não precisas tentar me convencer de que estou em perigo, já me basta Viviane fazendo isso!

_Natural, já que somos irmãos...

_Mesmo assim, sei muito bem o que estou fazendo! _respondeu Mab, já demonstrando irritação. _ Além disso, não acredito que tu estejas em posição de me dar conselhos!

_Deveras!

O arcanjo parou um pouco, respirou fundo e se aproximou de Mab entrelaçando-a em um abraço por trás e disse:

_Mab, minha querida, sabes o quanto sofri e o quanto sofro ainda pela rebelião!

_Sim, sei disso... _disse a mulher virando o rosto na direção oposta ao de Phosphorus.

_Mab, não estou aqui para te convencer de nada, apenas para mostrar-te como podes se machucar ao seguir este caminho! Foste bem cautelosa quando não me seguiste com os revoltosos. Pense bem sobre isto!

Phosphorus encostou seus lábios no pescoço de Mab, a mulher sentiu um arrepio percorrer seu corpo todo. Os Braços dele apertaram mais o abraço, ela suspirou e de um sobressalto afastou o companheiro.

_Saia daqui! Volte para o abismo que tu e teus soldados receberam de espólio da derrota que Miguel te impôs! Não me importune com teus carinhos agora! Deverias ter pensado sobre isso antes de te revoltares contra o Altíssimo! Deverias ter pensado que me deixarias sozinha neste mundo! Talvez assim eu não tivesse ambicionado ter um domínio só meu! Talvez, se tivesse tido o seu coração como companheiro...

As lagrimas rolaram na face alva de Mab. O arcanjo nada falou, ficou apenas a observar a mulher em sua profunda amargura.

Mab ajoelhou-se no chão, seu corpo tombou pra frente junto com seu pranto que pesava os ombros. O vento não parava de assobiar no mesmo ritmo das ondas que encontravam as rochas. Depois de alguns instantes, Phosphorus rompeu o silêncio entre eles:

_Não pretendia trazer-te sofrimento, minha amada, apenas alertá-la, de que se tuas intenções não se consolidarem como imaginas, talvez um fosso também tu receberás como espólio por tua derrota!

_Vá-te daqui! _exclamou a mulher encolhida ao chão_ Deixe-me em paz!

O arcanjo fitou a mulher em sua agonia, fechou os olhos e balançou a cabeça. Suas asas então surgiram e em um salto ele adentrou em meio a uma luz avermelhada que sumiu como veio.

Parecia que apenas o vento e as ondas eram testemunhas dessa conversa, contudo os olhos verdes como as folhas das arvores na primavera, escondidos em algum lugar de Eryriëlle, observavam cada movimento na costa de Ynys Llanddëlle. E esses mesmos olhos transmitiram essa imagem para olhos verdes como a água doce. Olhos que se abriram em um susto no meio da noite.

(continua)


Hoje, a equipe do Portal do Clérigo ganha mais um (uma na verdade) integrante, Caroline de Moraes Guilherme, estudante de design da UNESP. Seu traço já apareceu por aqui, ilustrando a forma Draconiana de Lólindir Cirvatan. Quer ver mais ilustrações dela? só clicar na foto ao lado!