segunda-feira, 29 de junho de 2009

Capítulo XV - Terras distantes

Acabara de cair na cama e olhava para o teto. Nunca pensei que ele pareceria tão distante de mim. Meus olhos estavam pesados e por um momento esquecia que ainda não havia trocado de roupas, pois assim como entrei, de túnuca e manto, caí na cama. Batidas de canecas na mesa, o elfo e o homem, o druida e o mago passaram aquele fim de noite conversando amenidades ao som de liras e ao sabor do vinho. Batidas na madeira e a imagem das canecas vazias largadas sobre a mesa formavam-se em minha mente. O som persistia, mas o que seria isso? Afinal, estava eu no meu quarto a muito!

O intrigante som vinha da minha porta que já não era mais batida e sim esmurrada e por um momento temi pela integridade da mesma, assim sendo, levantei-me da cama e percorri a grande distância de um metro que me separava daquele pedaço de carvalho trabalhado e preparado para selar ambientes...
Abri a porta e me deparei com os olhos de água-doce de Lavië a me encarar. Aflita, a moça quase não me deixou falar e quando percebi ela já estava sentada na minha cama.


_Não gostarias de entrar? _ perguntei por mera formalidade.
_Feche esta porta e escutai o que tenho pra te falar! _acredito que nunca vi tanta autoridade em sua voz antes e me peguei pensando em como um beijo pode deixa-la tão mandona, como se eu já fosse de sua propriedade, mas me sensurei, o produto da videira já havia me deixado alterado.


_Tudo bem. _fechei a porta, puxei uma cadeira e me sentei à sua frente_ Conte-me, deve ser muito importante!
Ela me olhou, estava mais aflita do que quando entrou e gotas de suor brotavam de sua fronte.


_Acabei de sonhar com Mab!
Suas palavras Suas palavras me despetaram mais rápido que um chá de boldo-yaë.
Mab? Como foi isso?


_Foi estranho, parecia que a via pelos olhos de Viviane, em terras distantes. Como se chamavam mesmo? Ela disse... Ynys Llanddëlle,lembrei!


_Ela falou? Então não estava sozinha, com quem mais ela estava, com viviane mesmo?


_Calma, conto-te tudo!


Lavië me narrou o sonho com tantos detalhes que por um momento parecia eu a testemunha do diálogo que acontecera a milhas de distância e em outro plano de existência, todavia, ela não sabia explicar quem era o arcanjo de cabelos claros e com uma safira quebrada fixada na testa. Meu conhecimento sobre arcanjos parecia limitado, agora que eu me sentia confrontado com um nome e uma imagem que eu não conhecia. Quando ela terminou de contar e parecia querer uma resposta para sua visão eu só pude dizer:


_Precisamos acordar o Mestre!


Alguns minutos depois e estavamos sentados na sala dos aposentos do Mestre Hortinin. Aparentando sono, com as orelhas caídas, o mestre ouviu cada palavra do sonho de Lavië. Assim que ela terminou ele perguntou:


_Querida, sabes quem te enviou essa visão?
_Sim, mestre, Viviane...
_Ela assistia a tudo do outro lado do canal, em Celtiland. Agora me diga, sabes quem era o arcanjo que conversava com Mab?
_Não mestre, o nome dele não me parece familiar, nem mesmo a fisionomia, pois não me lembro de nenhum relato descrevendo um arcanjo com um pedaço de safira quebrada engastada na testa. Só percebi pela conversa que se trata de um dos anjos revoltosos...
_Exatamente, mas não qualquer anjo revoltoso, mas aquele que iniciou a revolta na Cidade Celeste! _interrompeu o mestre.


Silêncio no aposento, por um momento pude ouvir os grilos lá fora... Eu estava surpreso, assim como Lavië, Phosphorus era então um dos nomes do portador-da-luz.


_Estáis surpresos? É a juventude de vós! A muito não me surpreendo mais com as notícias do astral! _ o sábio, sentado na sua cadeira, olhava para o teto_ Agumas informações não são de conhecimento de todos, queridos irmãos, ou elas são reveladas como foi à ti, Lavië, ou são permitidas saber quando alcançamos graus elevados dentro da ordem, por isso estudo e disciplina são fundamentais na vida de um Druida!
Continuamos em silêncio


_Os seres angelicais são criaturas do altíssimo. Muitos pensam que eles não têm sentimentos, sexo ou livre-arbitrio, contudo eu vos digo, possuem sim! Phosphorus, portador-da-luz era o guardião do fogo, ou metaforicamente, da sabedoria divina. Curiosamente o nome em idioma comum do Império que hoje quer tomar posse de nossa ilha. Depois que o Altíssimo povoou o mundo com todas as raças e determinou a cada povo um protetor, alguns destes reinvindicaram um pouco de sabedoria para seus povo. Nem todos o fizeram. Os que assim queriam, foram ter com o gardião da sabedoria do Altíssimo e com muitos argumentos o convenceram de ceder um pouco, contudo ele não poderia fazer isso sem que o Altíssimo permitisse. Ele não permitiu e deu o assunto por encerrado.


“Tendo em mãos toda a sabedoria divina e conhecedor desta, Phosphorus ignorou a ordem dada a ele e desceu ao mundo jogando partes da sabedoria aos homens, por julgar que isso seria bom para eles. O fogo então foi espalhado pelo mundo, mas nãi em partes iguais e nem mesmo seu conteúdo era igual. Caindo no corações das criaturas mundanas, muitos viram a beleza do fogo, outros viram o pior que o fogo pode aflorar nas pessoas.”


“O caos foi lançado aos quatro ventos por um ato de desobediência. A mesma desobediencia é retratada no livro sagrado sofiense e chamada de pecado original, quando as criaturas de Javé comem do fruto proibido e descobre a sabedoria divina!”


“O Altissimo pediu retratação por parte de Phosphorus, mas este não se arrependeu e insitado por um terço da cidade Celeste, tentaram tomar esta. Miguel, Hamariel e Maximiel formaram a liderança contra os revoltosos, defendendo a cidade com suas espadas flamejantes, seguidos dos dois terços de anjos que ali estavam.”


“Após uma batalha de tempo imensurável, Miguel derrota Phosphorus. Com sua rendição,o Altíssimo o condena ao exílio da esfera da cidade celeste, com isso ele não poderia mais perceber a presença do criador em todos os lugares. Phosphorus e seus seguidores tiveram seus movimentos limitados a algumas esferas astrais e o plano material.”


Uma aula sobre a revolta do Portador-da-luz e eu meio bêbado para prestar atenção. Lavië mantinha seus olhos abertos, quase não piscava. Mestre Hortinin continuava olhando para o teto, parecia contemplar a cidade celeste de sua cadeira.


_O fosso a que Mab se referia é a atual morada dos revoltosos... _reticente por um tempo, o mestre preosseguiu _ Querida, imaginas o porquê do envio desta visão para ti?


_Estou muito confusa neste momento, mestre, na verdade, não consigo compreender essa visão...


_Lavië, Viviane capturou um momento de fraquesa de Mab. A protetora dos humanos e drows não se juntou à revolta contra o Altíssimo, mesmo com seu amado como lider, hoje ela é a revoltosa e o mesmo amado que ela “abandonou” tenta mostra-la o quão perigoso é o caminho que ela tenta trilhar. _ o sabio para de olhar o teto e fixa os olhos na druidesa a sua frente _ Minha conclusão: mesmo que passemos por momentos de grande tribulação, não devemos nos amendrontar diante do perigo. Acredito que mesmo que essa guerra dure anos, só terá um fim, Mab não triunfará!


A apreenção era nítida nos olhos da elfa. O mestre voltou a olha para o teto e com um sorriso nos lábios disse-nos:
_Irmão, volteis para vossos aposentos e não deixeis a preocupação tomar conta de voços corações!


Acenei com a cabeça e Lavie apenas deu um sorriso acanhado. Seguimos para a nossa ala e parei na frente da porta de Lavië. Ela me olhou nos olhos e me abraçou forte, recostando a cabeça no meu peito. Minhas mãos acariciaram seus cabelos. Ela olhou novamente em meus olhos, beijou-me e disse:


_Boa noite meu amor! Precisamos dormir, pois amanhã é um dia de muito trabalho!
Acaricieu o seu rosto e vi um sorriso de esperança brotar em sua face. Acenei com a cabeça e ela entrou no quarto.
Voltando para aminha cama. A ultima coisa de que me lembro daquele dia foi de ter acordado da mesma forma que deitei e com a cabeça ainda girando pelas canecas a mais que compartilhei com Merlin.


Continua
Ilustração: Caroline de Moraes Guilherme

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Capítulo XIV - Arcanjos

As ondas batiam contra as rochas com uma certa força insistente. O cinza escuro de um céu intrigante, cujo sol já deitara a muito e curiosamente não escurecia, era só mais um elemento naquela paisagem estranha. Ventos uivavam e além de fazer a grama verde sobre aqueles montes balançar as folhas, os cabelos roxos, da mulher que contemplava as terras do outro lado do canal, também dançavam ao seu sabor. Seus olhos miravam quase que obcecadamente o painel que se formava depois das águas. Seu pensamento voou longe, como quando batia suas asas para contemplar essas mesmas terras do alto. Apenas se ouvia o vento e as ondas a castigar as rochas em que Mab estava, com seus longos cabelos soltos ao vento e sua túnica balançando enquanto segurava seu manto. O cheiro do sal do mar impregnava o ar. Tão absorto estava o Arcanjo, que ela mal percebera que há algum tempo não estava mais sozinha, apenas quando o silencio foi cortado por uma voz:

_Não importa quantos séculos passe, este sempre será teu lugar preferido...

Mab virou seu rosto na direção da voz e respondeu:

_Ynys Llanddëlle é quase que como um lar para mim. Adoro vir aqui e ver a paisagem da Ilha de Gildor, da Peninsula Llyëhn e das terras de Eryriëlle. Não sei, mas as montanhas do Eryriëlle Massif sempre me deram um sentimento de segurança...

_Principalmente agora, precisas mais de segurança... _interrompeu o homem alto que fazia companhia a Mab.

_ Phosphorus, creio que não precisas tentar me convencer de que estou em perigo, já me basta Viviane fazendo isso!

_Natural, já que somos irmãos...

_Mesmo assim, sei muito bem o que estou fazendo! _respondeu Mab, já demonstrando irritação. _ Além disso, não acredito que tu estejas em posição de me dar conselhos!

_Deveras!

O arcanjo parou um pouco, respirou fundo e se aproximou de Mab entrelaçando-a em um abraço por trás e disse:

_Mab, minha querida, sabes o quanto sofri e o quanto sofro ainda pela rebelião!

_Sim, sei disso... _disse a mulher virando o rosto na direção oposta ao de Phosphorus.

_Mab, não estou aqui para te convencer de nada, apenas para mostrar-te como podes se machucar ao seguir este caminho! Foste bem cautelosa quando não me seguiste com os revoltosos. Pense bem sobre isto!

Phosphorus encostou seus lábios no pescoço de Mab, a mulher sentiu um arrepio percorrer seu corpo todo. Os Braços dele apertaram mais o abraço, ela suspirou e de um sobressalto afastou o companheiro.

_Saia daqui! Volte para o abismo que tu e teus soldados receberam de espólio da derrota que Miguel te impôs! Não me importune com teus carinhos agora! Deverias ter pensado sobre isso antes de te revoltares contra o Altíssimo! Deverias ter pensado que me deixarias sozinha neste mundo! Talvez assim eu não tivesse ambicionado ter um domínio só meu! Talvez, se tivesse tido o seu coração como companheiro...

As lagrimas rolaram na face alva de Mab. O arcanjo nada falou, ficou apenas a observar a mulher em sua profunda amargura.

Mab ajoelhou-se no chão, seu corpo tombou pra frente junto com seu pranto que pesava os ombros. O vento não parava de assobiar no mesmo ritmo das ondas que encontravam as rochas. Depois de alguns instantes, Phosphorus rompeu o silêncio entre eles:

_Não pretendia trazer-te sofrimento, minha amada, apenas alertá-la, de que se tuas intenções não se consolidarem como imaginas, talvez um fosso também tu receberás como espólio por tua derrota!

_Vá-te daqui! _exclamou a mulher encolhida ao chão_ Deixe-me em paz!

O arcanjo fitou a mulher em sua agonia, fechou os olhos e balançou a cabeça. Suas asas então surgiram e em um salto ele adentrou em meio a uma luz avermelhada que sumiu como veio.

Parecia que apenas o vento e as ondas eram testemunhas dessa conversa, contudo os olhos verdes como as folhas das arvores na primavera, escondidos em algum lugar de Eryriëlle, observavam cada movimento na costa de Ynys Llanddëlle. E esses mesmos olhos transmitiram essa imagem para olhos verdes como a água doce. Olhos que se abriram em um susto no meio da noite.

(continua)


Hoje, a equipe do Portal do Clérigo ganha mais um (uma na verdade) integrante, Caroline de Moraes Guilherme, estudante de design da UNESP. Seu traço já apareceu por aqui, ilustrando a forma Draconiana de Lólindir Cirvatan. Quer ver mais ilustrações dela? só clicar na foto ao lado!

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Capítulo XIII - Tulipa Vermelha de Ancar

O suor descia por minha fronte. A respiração era rápida e meu coração estava disparado. Olhei nos fixamente para os olhos daquele homem de cabelos castanhos, curtos a uma distancia de duas jardas de mim. Seus olhos castanhos brilhavam, estava na expectativa, cuidando algum deslize de minha parte, mas cansou de esperar, o cajado rodou em suas mãos e um arco se formou na minha direção. Um paço para trás, golpeei com meu cajado, o impacto contra a arma do meu oponente o fez quase largá-la, aproveitei a abertura de guarda, um paço à frente, um giro em direção ao chão, cajado colhendo os pés do oponente no momento em que me levantei. Um baque surdo ao chão, movimento rápido para frente, cajado apontado para o rosto do homem caído à minha frente, quieto, apenas a sua respiração era ouvida.

O silêncio é cortado pela voz do Contra-mestre Junwo:

_Muito bem Lenwo, agora deixe Larasin, levantar, por favor!

_Ah, claro, Contra-mestre! Tu estás bem, irmão?

_Sim Lenwo, apesar do susto, como sempre és cuidadoso nos treinos! _disse Larasin agarrando minha mão para se levantar.

_Continue treinando com Marahr, Larasin, pois preciso conversar com Lenwo. _ Disse o Contra-mestre.

Contra-mestre Junwo, era o responsável pelo treinamento bélico de nossa ordem, além de ser o vice-governador de Haendelle. Andamos pela galeria e Contra-mestre Começou a falar:

_Esta é sua tarefa: Precisamos que pegues um carregamento de poções na botica central, Yaniv já sabe que irás lá, tudo bem?

_Sim, precisarei de ajuda?

_Não, são apenas alguns frascos de poção-cura-severa, já temos o bastante aqui, mas Mestre Hortinin disse que precisamos ter um excedente para evitar problemas...

Ganhei a rua a caminho da botica central, na mente um emaranhado de pensamentos, desdobramento das responsabilidades druidas para com a sociedade celta. Sejam elfos ou humanos, os druidas desempenham um papel fundamental na sociedade. Legisladores, curandeiros, boticários, botânicos. O saber, a ordem, a cura... Os druidas zelavam pelo bem do povo usando essas ferramentas. Yaniv era o boticário chefe de Haendelle, druida especializado no poder das ervas, aprendeu com o avô os segredos da natureza. Yaniv além disso era o irmão de Lawë.

_Aiya, Lenwo! Viestes buscar as poções para mestre Hortinin?
_Isso, mesmo irmão!
_Está aqui! _ Yaniv entregou-me uma sacola com os frascos que pesavam _ Cuidado por aí!
_Ah, sim, terei! Namárië!
_Namarië e cuida da Tulipa de Ancar!

Sorri com essa observação. Ancar é como se chama a cidade do extremo norte gelado, no continente, nossas histórias ditam-na como a origem dos elfos.

“De Ancar partiram sete famílias, com três gerações cada uma, rumo ao sul, onde pessoas de vida curta e pensamentos ligeiros encontrariam. Quando três de sete viraram mais do que sete de sete, foi à vez de 7 clãs atravessarem o mar para em Celtiland que poderem chamar de lar!”

um parágrafo da Épica de Ancar, veio a minha mente, além disso não poderia esquecer, Ancar também é o nome do pai de Yaniv.
Tulipa de Ancar.

Estava sentado à mesa, jantar na casa do Sr. Ancar. Era a primeira vez que eu visitava a casa de Lawië. Lembro-me do elfo alto, com seus cabelos dourados, olhos verdes e sorriso no rosto erguendo a taça e falando:

_Hoje minha querida filha comemora mais um ano de uma longa vida que, oxalá, assim seja! E quero deixar aqui registrada a minha lembrança do dia em que a vi pela primeira vez. Ela estava enrolada em cobertas, no colo de Maraë e seus cabelos vermelhos fixaram a imagem de uma tulipa surgida no inicio da primavera. Lavië, eu disse, Lavië será seu nome, Tulipa vermelha em Altschelves!

Amenina de cabelos vermelhos corou...

Carregando a pesada bolsa cheia de frascos, voltei até a sede da ordem, assim como aportei de novo à realidade depois de dar asas aos meus pensamentos, entreguei ao encarregado e encontrei Merlin andando pelo jardim.

_Aiya, Naldus!
_Aiya! Merlim, gostaria de uma caneca de vinho?
_Seria ótimo!
_Pois assim seja!

Pegamos o rumo da taverna, pães pretos, música e vinho, seria um bom final de dia!

(continua)